Por Marie-Oceáne Gazurek
Meu interesse pelo estudo e o entendimento do consumidor de luxo brasileiro já vêm de algum tempo. No decorrer desses anos, enquanto eram inaugurados shoppings especializados no segmento e chegavam ao país marcas cada vez mais exclusivas, eu procurava entrevistar esses consumidores de difícil acesso. Ao mesmo tempo, a imprensa publicava inúmeras matérias sobre a ascensão da assim denominada classe C e seu novo poder aquisitivo. Representantes desta “nova classe média” estampavam capas de revistas vestindo grifes outrora acessíveis somente a alguns “happy few”. Necessidade de exclusividade e crescimento do consumo das classes populares crescendo juntos... Uma coincidência? Não exatamente. A verdade é que uma parte substancial do crescimento do mercado de luxo precisa ser atribuída à emergência social da assim denominada classe C.
Todos já deram as boas vindas a esse fantástico contingente de novos consumidores a caminho de suas realizações materiais. O próprio ciclo de crescimento e estabilidade de nossa economia tem dependido muito desse movimento, que alimenta o PIB. O que foi negado a eles durante muito tempo hoje está ao alcance de suas mãos, ou melhor, de sua renda. Seja à vista, seja em facilitadas e suaves parcelas, marcas outrora reservadas à elite hoje em dia são acessíveis para a chamada “nova classe média” e se constituem em verdadeiros passaportes para um grupo social superior. A abundância de crédito e redução de taxas de juros são parte de dessa mesma equação.
É lógico que, no horizonte, existem nuvens preocupantes ligadas ao endividamento descontrolado ou ao efeito dos solavancos internacionais. Mas, de qualquer maneira, o que temos visto até agora é uma renovada capacidade de consumo dessa classe C. Eles não estão se transformando em cidadãos plenos ainda porque a ascensão social não depende apenas de ter mais dinheiro no bolso, mas de um projeto mais amplo que envolve níveis educacionais mais alinhados com aquilo que o desenvolvimento permanente exigiria.
De qualquer maneira, a classe C tem penetrado em “jurisdições de consumo” para as quais ela nunca havia sido convidada antes. E aí é que nasce a ironia em relação ao mercado de luxo, pois não é sem estranhamento da parte das classes tradicionais que se dá a chegada desta classe a novas esferas de consumo.
O que eram produtos e serviços de acesso exclusivo dos grupos de elite começaram a ser comprados pela classe C. O que eram bens posicionais, na linguagem de Eduardo Gianetti, que serviam para marcar as diferenças de uma classe para outra, a reforçar a distinção, nas palavras de Bourdieu, perderam esse poder. Marcas que realmente marcavam diferenças sociais hoje são consumidas por segmentos populares. É comum escutarmos em corredores de shoppings que determinadas marcas democratizaram-se demais; “veja agora quem está usando!”.. Clubes de compras virtuais oferecem marcas por preços menores. São praias que foram democratizadas. Ao mesmo tempo, vejam como têm crescido o número de lounges exclusivos e espaços (virtuais ou não) exclusivíssimos onde os mais incomodados podem se exilar.
O que estamos vendo acontecer hoje já foi extensivamente tratado por vários estudiosos. E é o que Georg Simmel chamou de efeito trickle-down, que numa tradução livre podemos chamar de “bola de neve”: os segmentos mais afluentes abandonam o uso de certos produtos e marcas quando públicos menos diferenciados passam a consumi-los. E como as diferenças sociais são elementos estruturais em qualquer sociedade humana, o que os públicos mais afluentes fazem é recorrer a produtos, serviços e marcas enfim que reafirmem o traçado dos limites das classes. Marcas que sejam bens posicionais, de fato e maneiras de consumir que reforcem esta diferenciação.
Quanto do mercado de luxo é alimentado por esse movimento de uma nova necessidade diferenciação social é difícil dizer. Por irônico que possa parecer porém, Hermès, Prada, Mercedes-Benz, Tiffany etc têm muito que agradecer à ascensão classe C.
*Especialista em luxo e moda no Grupo Troiano de Branding
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